Encontre a sua interseção

Desirée Lourenço
3 min readJun 28, 2021

É natural do ser humano procurar um grupo para se encaixar. Procurar se reconhecer naquele que anda ao seu lado, se aglomerar — metaforicamente — com pessoas que são similares, que possuem os mesmos gostos e que veem o mundo da mesma forma. A famosa bolha que tanto falamos.

Mas e quando nos reconhecemos em diferentes grupos? Diferentes bolhas que veem o mundo de forma diferente, mas que ainda assim tem tanto em comum em diversos aspectos? Como encontrar o meio termo ou como encontrar aquele ponto único que parece ser a interseção de diversos grupos? Lembram da aula de matemática do colegial?

A busca por esse ponto de interseção entre os nossos vários eus é longa. Talvez, muita gente não encontre até o final da vida, talvez a gente canse de procurar e decida ficar com apenas um dos grupos e talvez, a gente esbarre com ele sem nem mesmo querer ou entender o que é. Foi mais ou menos isso que aconteceu comigo. Eu tropecei na minha própria interseção.

Faz tempo, muito tempo mesmo, que eu me reconheço como escritora. Sou boa com as palavras, consigo emocionar através delas, consigo prender a atenção e, as vezes, consigo fazer rir. Escrever sempre foi fácil, vinha como uma onda leve, que molha seu corpo todo sem assustar, refresca no calor e arrepia quando bate o vento. Era óbvio que eu era boa naquilo, mas ninguém sabia. Só eu mesma. Quando escrevia ficção, usava um pseudônimo e quase ninguém da minha bolha sabia disso. Especialmente porque eu escrevia muito sobre a minha sexualidade, e esse era outro grupo.

E exatamente sobre a minha sexualidade, ela teve algumas fases. A descobri enquanto fazia parte de uma bolha que era extremamente aberta à discussão, então, eu rapidamente me encontrei ali. Mas no momento que precisei pisar fora desse grupo, minha sexualidade não veio junto. Demorava para falar que era lésbica, por vezes falava da minha namorada como uma amiga e muito menos falava que era escritora. Eu fazia parte de um terceiro grupo que não tinha nenhum ponto de encontro com os outros dois.

Aos poucos, a minha bolha da sexualidade foi se expandindo. Fui ganhando confiança, fui desenvolvendo certeza e esse grupo começou a se intercalar com outros. Eu já falava que tinha uma namorada, andava com as cores do arco íris, falava que não me interessava por homens em conversas triviais do happy hour e andava de mãos dadas na rua sem a mínima preocupação. Havia dominado aquele espaço que me cabia tão bem.

Mas é engraçado como demorei tanto para expandir minha bolha de escritora. Escrevi com psudonimos até o final do ano passado, mesmo que para muitos eu já tivesse falado que aquele nome na capa do livro, era eu, na verdade. Mas foi uma coisa orgânica, natural. Falei para um aqui, falei para outro ali, fiz um stories com a minha carinha e aos poucos fui percebendo que a interseção havia chegado. Já não era mais a Desirée lésbica separado da Desirée escritora que usava outro nome.

Quando me dei conta, eu estava em pé, bem na interseção dos meus diversos eu. Ou ao menos dos mais presentes e significativos naquele momento. Pela primeira vez, eu estava me reconhecendo como uma escritora lésbica, que usava seu próprio nome. E nossa, foi um alívio imenso. Tem interseções que nos dizem o caminho a seguir pela frente e tem outras que apenas nos lembram como chegamos aqui. Não importa qual seja, vá com calma e busque a sua interseção.

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